Resumo
A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) é muito comum em atividades esportivas e, na maioria das vezes, requer cirurgia.
Índice
O que é o ligamento cruzado anterior (LCA)?
Como ocorre a lesão do LCA??
Quais os sintomas da lesão do LCA?
O que fazer no momento de uma torção do joelho fazendo alguma atividade?
Como fazer o diagnóstico de uma lesão de LCA?
Existem outras lesões que podem acontecer junto com a lesão do LCA?
O LCA pode cicatrizar?
Toda lesão de LCA precisa de cirurgia?
Como é o tratamento sem cirurgia para lesão do LCA?
Quando é necessária cirurgia para a lesão do LCA?
Como é realizada a cirurgia do LCA?
O que é reconstrução anatômica do LCA?
Quais são as opções de enxerto para a reconstrução do LCA?
Quanto tempo após a lesão do LCA deve ser realizada a cirurgia?
Como é a anestesia da cirurgia para reconstrução de LCA?
Como é a recuperação da cirurgia do LCA?
Em quanto tempo é possível voltar ao esporte após a cirurgia do LCA?
Após uma lesão de LCA, é possível voltar ao esporte de alta performance?
Como prevenir uma lesão de LCA?
O que é lesão parcial do LCA?
O que é ligamento anterolateral (LAL)? Quando sua reconstrução está indicada?
O que é degeneração mucinosa do LCA?
O que é lesão degenerativa do LCA?
O ligamento cruzado anterior (LCA) é uma estrutura interna do joelho que contribui para a estabilidade da articulação, principalmente em movimentos de giro, aceleração e desaceleração.
Ligamento cruzado anterior (LCA), dentro da cavidade do joelho, entre o fêmur e a tíbia, colorido em vermelho
A ruptura do LCA ocorre na maioria das vezes por torção do joelho em atividade esportiva. O movimento típico é de valgo (joelho para dentro) e rotação do fêmur sobre a tíbia. Na maioria das vezes, a lesão ocorre no membro de apoio, com um movimento de giro ou corte com o corpo.
Movimento típico da lesão do ligamento cruzado anterior (LCA): valgo (joelho para dentro) e rotação do fêmur sobre a tíbia, com o pé apoiado no chão.
Fonte: Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2009;17: 705–729
A lesão do LCA ocorre com um estalo forte do joelho, dor intensa, e inchaço grande que ocorre em minutos. Normalmente há dificuldade de andar sem mancar, apoiar o pé no chão, e movimentar o joelho.
A dor e o inchaço normalmente melhoraram nas primeiras semanas, podendo inclusive parecer que houve resolução completa da lesão. Porém, a instabilidade pela falta do ligamento permanece, podendo haver a sensação de falseio (joelho frouxo, saindo do lugar) ou até nova torção. Estes sintomas de instabilidade podem ocorrer tanto em atividades esportivas quanto no dia-a-dia.
São medidas recomendadas após uma torção do joelho:
Procure atendimento médico no caso de qualquer lesão mais intensa do joelho com: dor, inchaço, dificuldade de movimentação ou de apoiar o pé.
Saiba mais sobre tratamento de entorses de joelho em geral, clicando aqui.
O exame físico do joelho, feito pelo médico especialista, é a principal ferramenta no diagnóstico da lesão de LCA: são feitos testes especiais com a manipulação do joelho. Porém, se o joelho estiver muito inchado e dolorido, o exame clínico pode ser inconclusivo, e precisa ser repetido após melhora do quadro inicial.
A ressonância magnética do joelho é o exame de escolha para confirmação do diagnóstico. Ela é essencial para identificar lesões associadas comuns, como lesões dos meniscos e da cartilagem do joelho. Não é necessário esperar o joelho desinchar para a realização da ressonância.
Vídeo: Exame físico para lesão do ligamento cruzado anterior (LCA): testes de Lachman e pivot shift
Visão por vídeo de LCA normal e LCA rompido
Imagens de ressonância magnética do joelho mostrando LCA normal (à esquerda, em azul), e LCA lesado (à direita, em vermelho)
Sim, a lesão do LCA está associada a lesões de menisco entre 50 e 70% dos casos, e a lesões de cartilagem entre 20 e 30%.
Lesões do menisco podem ocorrer em conjunto com a lesão do ligamento cruzado anterior. Saiba mais sobre lesões de menisco, clique aqui
Em geral, o LCA lesado não cicatriza. Como as suas fibras se desorganizam e estão dentro da cavidade do joelho, envolta pelo líquido articular, não é possível a formação de uma fibrose organizada para cicatrização ligamentar.
Raramente, lesões parciais do LCA, sem instabilidade, podem ter cicatrização parcial da porção lesada.
Apesar da maioria das vezes a lesão do LCA ser de tratamento cirúrgico, em algumas situações não há necessidade de cirurgia:
Nos casos em que não é indicada cirurgia para o LCA, o tratamento é baseado em programa estruturado de fisioterapia, com os objetivos de:
São indicações de cirurgia para reconstrução do LCA:
A maioria das pessoas que sofrem lesão do LCA se encaixa nesses critérios, portanto a cirurgia de reconstrução ligamentar é indicada na maior parte dos casos.
O LCA não tem boa capacidade de cicatrização, portanto, a cirurgia utilizada como padrão é a reconstrução do ligamento. Isto significa que um novo ligamento é construído, com o uso de um enxerto de tendão. Este enxerto é fixado dentro do joelho, em túneis feitos nos ossos do fêmur e da tíbia, de forma a ter a mesma posição do ligamento original
A cirurgia é feita por artroscopia, técnica que usa pequenos furos e câmera com fibra óptica e pinças especiais para trabalho dentro da articulação, sem necessidade de cortes para abrir a articulação. Já a retirada do enxerto pode precisar de cortes.
À esquerda: LCA nativo, sem lesão. À direita, LCA reconstruído com enxerto de flexores.
Instrumentos para artroscopia de joelho
Enxerto de tendão passado por túnel ósseo no fêmur e na tíbia, para reconstrução do ligamento cruzado anterior
O enxerto é preso nos ossos com o uso de dispositivos fixação como botões corticais e parafusos absorvíveis. A importância da fixação é evitar o afrouxamento do enxerto até sua cicatrização nos túneis.
No momento da cirurgia, é muito importante avaliar lesões de menisco e cartilagem, que podem precisar de tratamento adicional.
Atualmente, a técnica mais preconizada de posicionamento do enxerto para reconstrução do LCA é chamada de anatômica. Nela, o enxerto é colocado na mesma posição original do ligamento natural.
Há muitas opções de enxerto de tendão que podem ser utilizados para reconstruir o LCA. Idealmente, o enxerto deve ser mais forte que o ligamento original, permitir uma fixação segura, ser fácil e pouco invasivo para retirada, e ser um tendão que não provoque prejuízo funcional considerável ao ser retirado.
Entre as opções de enxerto estão: tendões flexores (grácil e semitendíneo), tendão patelar, tendão quadricipital, tendão de banco de tecidos.
O enxerto tendões flexores são dois tendões da parte de trás da coxa, chamados também de tendões flexores isquiotibiais (grácil e semitendíneo), retirados por um pequeno corte na parte da frente do joelho.
O enxerto de tendão patelar consiste de uma fita com aproximadamente 1 centímetro da parte central do tendão patelar, juntamente com um pequeno fragmento de osso da patela e outro da tíbia. É retirado a partir de um corte vertical na frente do joelho.
O enxerto de tendão quadricipital consiste em uma fita de espessura parcial ou completa do tendão do quadríceps, o músculo da frente da coxa. Pode ser retirado com ou sem um bloco de osso da patela.
Os tendões de banco de tecidos provém de doadores de orgãos falecidos. São tecidos congelados, sem células vivas, e não geram reação imune do corpo. Seu uso é vantajoso principalmente para reconstrução de múltiplos ligamentos, ou em pacientes que já retiraram diversos enxertos em cirurgias prévias.
À esquerda, enxerto de tendões flexores, composto pelo tendão grácil e semitendíneo, dobrados. Note na parte superior do tendão o botão de titânio usado para fixação por suspensão no fêmur. À direita, enxerto de tendão patelar. Note os dois blocos de osso na extremidades do enxerto, um da patela, e um da tíbia.
Após uma lesão de LCA, o tempo ideal para fazer a cirurgia é entre 3 e 6 semanas na maioria dos casos.
A cirurgia não deve ser feita cedo demais, quando o joelho está muito inchado, com musculatura inativada e com dificuldade de movimentação, principalmente quando não há extensão completa (movimento de esticar o joelho totalmente). Nessa situação, a movimentação e ativação muscular tende a ser mais difícil após a cirurgia, atrapalhando a recuperação inicial. Idealmente, deve ser feita fisioterapia pré-operatória, e a cirurgia realizada quando já há ativação muscular, extensão completa e regressão do inchaço, o que ocorre em geral em duas a três semanas da lesão.
Por outro lado, a cirurgia também não deve ser feita tarde demais. Após 6 semanas da lesão do LCA, já existe uma maior chance de haver lesões de menisco ou cartilagem. Lesões com mais de 3 meses já podem ser consideradas crônicas, com maior chance de falha da reconstrução e nova ruptura.
A anestesia para uma cirurgia de LCA deve proporcionar conforto para o paciente durante a cirurgia e no pós-operatório inicial, ao mesmo tempo que deve permitir ativar a musculatura, movimentar o joelho, ficar em pé e andar rapidamente após a cirurgia.
Existem várias técnicas anestésicas possíveis para atingir esses objetivos, e a decisão é individual, e tomada conjuntamente pelo médico anestesista, o cirurgião e o paciente.
Uma opção de anestesia excelente para a reconstrução do LCA é a anestesia raquidiana, usada em conjunto com sedação (para o paciente dormir), bloqueio de nervo periférico e anestesia local. Essa combinação de múltiplas modalidades de anestesia permite excelente controle da dor e diminuição de efeitos colaterais.
As técnicas modernas de anestesia têm altíssima segurança, e complicações são muito incomuns.
Após a cirurgia, ainda no hospital, são iniciados exercícios de ativação muscular, movimentação do joelho, e treino para andar com muletas. Já é permitido apoiar o peso do corpo no joelho operado, porém, com as muletas para dividir a carga e dar equilíbrio. Atualmente, não são indicados imobilizadores ou proteções adicionais ao joelho de rotina.
A alta hospitalar normalmente é no próprio dia da cirurgia, ou na manhã seguinte.
A reabilitação após a reconstrução do LCA é tão importante para o bom resultado quanto a cirurgia em si. A avaliação e acompanhamento por uma equipe de fisioterapia de alta qualidade é imprescindível. Durante toda a recuperação, o joelho não pode ser forçado nem demais nem de menos, para que o novo ligamento possa amadurecer e a função do joelho se restabelecer.
Nas primeiras semanas, o fisioterapeuta vai trabalhar ativação e controle muscular, ganho de movimento do joelho, e o treino de marcha com muleta, além de técnicas para diminuição de dor e inchaço.
O uso de muletas é necessário até haver uma boa ativação muscular e capacidade de andar sem mancar. Isto ocorre entre 2 a 4 semanas, na maioria das vezes.
Progressivamente, exercícios de fortalecimento, equilíbrio e movimentos esportivos são reintroduzidos, baseados no tempo da cirurgia e na avaliação funcional do paciente em cada momento.
Estudos modernos demonstram que voltar rápido demais para o esporte aumenta muito a chance de nova lesão do joelho. O tempo mínimo para o retorno é de 6 meses, mas há mais segurança e menos incidência de lesão se ele for feito após 9 meses.
Mas o tempo não é o único fator para o retorno ao esporte: é necessário o restabelecimento da força muscular, com simetria entre as duas coxas, e bom controle e equilíbrio em testes funcionais feitos pelo fisioterapeuta.
O mais importante é nunca retornar para o esporte sem a liberação conjunta do médico e do fisioterapeuta.
Sim, a maior parte dos atletas profissionais ou amadores que são submetidos à reconstrução do LCA conseguem voltar para o esporte no mesmo nível de intensidade e performance. Porém, isso nem sempre ocorre.
Portanto, é essencial investir em um tratamento de qualidade, incluindo cirurgia, reabilitação, e treinamento esportivo com foco na prevenção de lesões. Não apressar o retorno ao esporte também é muito importante. Essas medidas em conjunto aumentam as chances de um retorno de sucesso.
A lesão do LCA pode ser prevenida com treinamento físico adequado, com foco na prevenção de lesões.
São medidas essenciais na prevenção da lesão do LCA:
Um bom exemplo de programa de prevenção de lesões é o FIFA 11+, desenvolvido para a prática do futebol. Este programa consiste de exercícios físicos, técnicos e de aquecimento. Inclusive, a sua eficácia na prevenção de lesões já foi comprovada com trabalhos científicos (baixe o programa completo).
Lesão parcial do LCA ocorre quando parte de suas fibras continuam íntegras, o que pode ser visualizado no exame de ressonância magnética.
No caso de haver instabilidade do joelho, observada no exame físico do joelho, ou se o paciente tem sintomas de falseio, é recomendada cirurgia para lesão parcial. Dependendo da extensão da lesão, é possível fazer a reconstrução de apenas uma parte do ligamento (uma das bandas), com preservação das fibras que não foram lesadas/
Se não há instabilidade do joelho, ou seja, o exame físico é normal e o paciente não tem falseios, e a cirurgia não é necessária, e um programa de reabilitação deve ser instituído. O acompanhamento médico deve ser mantido, para comprovar que o joelho se mantém estável.
Duas bandas do ligamento cruzado anterior: banda anteromedial (AM, em azul) e posterolateral (PL, em verde). A lesão parcial do LCA pode acometer apenas uma das bandas.
O ligamento anterolateral (LAL) é uma estrutura fora da cavidade do joelho, que atua em conjunto com o LCA no controle dos movimentos rotacionais.
Em pacientes com maior risco para nova ruptura do LCA, pode ser indicado um “reforço”, em conjunto com a reconstrução do LCA. Existem duas técnicas principais para esse reforço: o ligamento anterolateral (LAL) ou a tenodese do trato iliotibial (LeMaire).
O reforço anterolateral para a cirurgia do LCA pode ser motivado pela presença de alguns fatores, principalmente se ocorrerem conjuntamente:
O reforço anterolateral com LAL ou LeMaire não modifica o protocolo de reabilitação pós-operatória ou o tempo de retorno ao esporte, e trabalhos científicos recentes mostram que a técnica diminui a chance de nova lesão em pacientes de alto risco.
Reconstrução do ligamento anterolateral
Alteração mucinosa ou mucóide do LCA é um possível achado de ressonância magnética, e representa um padrão de desgaste das fibras do ligamento, que aparece mais claro na imagem do exame.
Na maioria das vezes, não é necessário tratamento específico. Raramente, em pessoas com sintomas como dor e dificuldade para dobrar o joelho, uma limpeza do ligamento por artroscopia pode ser indicada.
Lesão degenerativa do LCA é aquela causada por desgaste, em contraste por aquela causada por trauma.
Na grande maioria das vezes, não há sintomas de instabilidade, como falseio, e o tratamento é direcionado para os sintomas de desgaste, ou artrose do joelho, já que a degeneração do ligamento faz parte do contexto geral do joelho desgastado.
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